As folhas de outono… Me lembro bem.
Ao lado da minha cama, um balde de gelo.
TV ligada, estava assistindo aos Jetsons.
Lá fora, pássaros cantando. Devo estar enganado…
Primavera. Sim, crianças brincando.
Do outro lado da rua, três bulicas para bolinha de gude.
Dever de casa pronto, observava o belo Del Rey do vizinho.
Deitei e fechei meus olhos.
Acordei.
Um, dois.. no total, seis meses olhando os detalhes do teto.
Mais uma vez, fechei meus olhos.
Acordei.
Calor insuportável. 40 graus, um ventilador de teto horrível que girava a uma rotação muito baixa. Mesas rabiscadas e paredes sujas com marcas de tênis.
A calça jeans e a blusa não eram adequadas. Ouvia a propaganda de uma autoescola lá fora.
Dentro, um professor de história entediante que lia um livro de capa verde.
Puro tédio, uma notícia devastadora e o fim da vida anunciado.
E, mais uma vez, fechei os olhos.
Acordei.
Mais três meses observando a estrutura de metal que me cercava pelos lados
Mais uma vez, fechei meus olhos.
Acordei.
Peças de computador, uma estante de livros e um objetivo. Todos os dias, naquela kombi. Caminho perigoso e uma agulhada ao chegar em casa.
De madrugada, pela janela, eu olhava pro futuro, com ódio do passado e determinado a mudar o presente.
Cansado, fechei meus olhos.
Acordei.
Mais seis meses tentando achar padrões de fissura que percebia pelos acabamentos do quarto.
Impossibilitado, fechei meus olhos.
Acordei.
O despertador toca. No meu celular, todos os compromissos que terei naquele dia. Observo o bater das águas próximo.
O destino não está distante e vai ser ali que cumprirei mais um dia. Verde em abundância e uma pseudo sensação de segurança.
Os objetivos foram traçados e cumpridos…
E, esgotado, fechei meus olhos.
É assim que me sinto todos os dias, porém com uma dose a mais de acentuada. Isso tudo me faz lembrar o livro ‘O feijão e o sonho’ de Orígenes Lessa onde o personagem Jucá tem o sonho de ser poeta, pois ele tem suas responsabilidades. Precisa sustentar a casa, a mulher dele só reclama e o mesmo vive todos os dias com um peso enorme nas costas, ou joga tudo para o alto e realiza seus sonhos ou desiste dos seus sonhos para cumprir com as obrigações do dia a dia e sustentar sua família e filhos.